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Diário de quem já não vai para novo

...porque as palavras são a voz da alma.

Diário de quem já não vai para novo

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01.09.24

Crónicas breves de viagens curtas - 2


a. almeida

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Quem já leu e (como eu) releu o “As cidades e as serras”, de Eça de Queiróz, sabe do que falo e do que o trecho a seguir se refere. Relembrando, a descrição do caminho da personagem Jacinto, que vindo do ninho da civilização expressa no seu áureo ponto na cidade das luzes, Paris, decide rumar à austera e velha Quinta de Tormes, um lugar imaginário mas que se refere à Quinta de Vila Nova, localizada por terras de Santa Cruz do Douro – Baião.

Descarregado na estação de comboio em Aregos, na borda do Douro, inicia o caminho sinuoso e íngreme com uma extensão de aproximadamente 4 km, por entre casario e vegetação, e o homem sedentário de Paris, rodeado de todo o conforto civilizacional de que dispunha à época, entra agora num mundo natural, puro, agreste, quase primordial, onde a natureza e a forma de viver simples mostram que a ligação ao homem contém ainda todo esse enraizamento. E nessa simplicidade, que o destino se encarregou de endurecer, perceberá, como irrefutável, a presença dos símbolos de abundância e da vida saudável associada à vida rural.

Nesta pausa estival, fui, também, percorrer esse mítico e real caminho e mesmo que o grande escritor por ali pouco tempo tivesse estado, porque cedo morreu, foi com ele o sonho de transformar a velha casa no seu derradeiro aconchego maternal, que literalmente nunca teve.
Felizmente, a sua filha e a descendência desta, até também se extinguir, conseguiram mitigar esse sonho, transformando a antiga Quinta de Vila Nova, que a ficção transformou numa nova realidade, a Casa de Tormes, num lugar de evocação do escritor. Sem descendência, o legado que engloba a quinta, a casa e muitos objectos pessoais dessa grande figura da nossa melhor literatura, que vieram de Paris depois da sua morte, foi deixado a uma fundação com o nome do autor de Os Maias (1888), O Crime do Padre Amaro (1876), O Primo Basílio (1878), A Capital (1877), entre outros, e criada para o efeito.

Assim tive a oportunidade de visitar a casa, o espaço e tocar em objectos que o escritor usou no seu dia a dia de diplomata e escritor.
Uma rica experiência, a que se juntaram outras e numa prova provada que importará sempre que um simples passeio ou singela estadia tenha um sentido complementar de enriquecimento de cultura e história.

Claro está que as tendências e os gostos modernos não se compadecem com estas “minudências” e de tão atrofiantes essas generalidades, acabam por criar nos outros, poucos, uma sensação de anacronismo, até de um deslocamento no tempo e espaço.
Mas que seja! De resto sempre houve e haverá lugar para tudo e todos, além de que um balão sempre subirá mesmo que cheio de nada, tão somente de ar quente.

Seguem os extractos desse trecho de “As cidades e as serras”:

“E não tardaram a aparecer no córrego, para nos levarem a Tormes, uma égua ruça, um jumento com albarda, um rapaz e um podengo. […] E começamos a trepar o caminho, que não se alisara nem se desbravara […] logo depois de atravessarmos um a trémula ponte de pau, sobre um riacho quebrado por pedregulhos. […] E em breve os nossos males esqueceram ante a incomparável beleza daquela serra bendita!” “Jacinto adiante, na sua égua ruça, murmurava: - Que beleza! E eu atrás, no burro de Sancho, murmurava: - Que beleza! Frescos ramos roçavam os nossos ombros com familiaridade e carinho. Por trás das sebes, carregadas de amoras, as macieiras, estendidas ofereciam as suas maçãs verdes, porque as não tinham maduras. […]

Muito tempo um melro nos seguimento, de azinheiro a olmo, assobiando os nossos louvores. Obrigado, irmão melro! Ramos de macieira, obrigado! Aqui vimos, aqui vimos! E sempre contigo fiquemos, serra tão acolhedora, serra de fartura e de paz, serra bendita entre as serras! Assim, vagarosamente e maravilhados, chegamos àquela avenida de faias."

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26.07.24

Panchorra? Onde é que fica isso?


a. almeida

monsanto.jpgPor vezes, muitas vezes, sinto-me algo anacrónico, fora de tempo e contexto. Será da idade de quem já não vai para novo? Será, quase com toda a certeza!

Os da minha geração têm que enfrentar de caras, como numa tourada diária no campo grande que é a vida, o bicho cornudo que é o intervalo que vai do 8 ao 80. Porque tivemos a oportunidade de ver e vivenciar tudo e agora o seu contrário.

Os mais novos, os que já pelos 30 ou mesmo 40, esses já nasceram num tempo em que o bicho da diferença andaria ali pelos 60, e com isso o salto aos 80, bem menos arriscado e impactante.

Nesta amplitude, a malta nova é cosmopolita. Pensa tudo em grande e à francesa. Viajar, só se para fora do país e quanto mais longe, melhor. Ir a Espanha como quem ía a Badajoz, a Ciudade Rodrigo ou a Tui aos caramelos, é coisa pequena e de quem ía passear com farnel em cesta de vime na camioneta da carreira.

Açaimado pelos tempos do 8, dou comigo a deliciar-me a visitar vilas e aldeias do nosso Portugal, mesmo do mais profundo, a subir escadas e a descer veredas, a contornar montes e vales, a indagar igrejas, capelas e pelourinhos, a procurar saber de histórias e gentes e locais. E quanto mais vejo mais me falta ver, e com isso sem tempo para transpor a fronteira, nem mesmo para ir aos caramelos.

A Londres, Roma, Paris ou Nova Iorque, e outras que mais franças e araganças, só por postais ou metendo-me no taxi do Google Street View.

Mas não me incomoda nem me menoriza, porque tivesse esse desejo, como a maioria pregava uns calotes e lá ía voar para ali e para acolá, a enriquecer o portfólio de viagens, a provocar inveja aos amigos nas redes sociais.
Mas não! De resto faz-me confusão que em conversa com alguns conhecidos, estes se gabem de já terem estado à sombra das pirâmides de Gizê, a molhar os pés na Fonte de Trevi, a olhar pelo monóculo da Torre Eiffel, a espreitar pela coroa da Liberty Statue ou a chupar um gelado por Copacabana quando, vai-se a ver, sendo portugueses do norte, nunca foram a Arouca, a Lamego ou a Bragança. Vejam agora quanto mais conhecerem Sortelha, Alfaiates, Monsanto, Cidadelhe, Muxagata, Regoufe, Rio de Frades, Lomba de Arões, Serapicos, Tourões, Sistelo, Gralheira, Panchorra ou Pretarouca? Onde é que fica isso?

 A pergunta pedia que respondesse  "abaixo de Braga", mas como educado que sou, sugiro que melhor é melhor irem à Agência Abreu! Devem ter pacotes em preço!

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29.05.24

Rio de Onor - A merecer amor


a. almeida

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Num fim de semana com tempo propício a dar à sola, uma saída pelo extremo nordeste transmontano. Dos locais que merecem passagem obrigatória, uma visita a Rio de Onor, eleita em 2017 num concurso manhoso como uma das 7 maravilhas das aldeias portugueses (aldeias em áreas protegidas), situada em pleno Parque Natural de Montesinho, no concelho de Bragança, mesmo no limite da raia, e, porque à beirinha e em continuidade, também um olhar à espanhola Rhionor de Castilla e cujas populações convivem irmanadas como se fossem uma única aldeia.

Aldeia de montanha, formada de casas típicas serranas onde predominam o xisto e a madeira como materiais de construção, com varandas alpendradas a que se acedem por escadas exteriores, e ladeadas pelo límpido rio com nome de Onor, do lado português, e del Fontano, do lado espanhol, que enquadram a paisagem, marcada pela igreja matriz de S. João Baptista, sem torre mas com campanário de dois sinos, como é típico por esta região transmontana.

Ambas as margens do rio são unidas por várias passagens, como a emblemática ponte de origem romana. Do lado de Espanha, a singular travessia por poldras (conjunto de pedras alinhadas, cada uma à distância de um passo).

Dizem os guias turísticos que é uma aldeia de coração comunitário e que tem nos seus habitantes o melhor património, com genuíno saber receber.

Talvez porque com a expectativa em alta, porque quem visita Rio de Onor apenas fotografa as coisas pitorescas, floridas e bem arranjadas, sobretudo o casario à face da ruela que margina o rio pelo lado esquerdo, confesso que fiquei desapontado. Esperava uma aldeia mais homogénea na sua estrutura e sobretudo bem limpa e arranjada, já que é nitidamente um local visitado. Do lado espanhol, mesmo que também com casario em ruínas e a igreja de Santa Martina desmazelada e ressequida pelo sol, vi mais asseio e limpeza das ruelas.

Mas vi, naturalmente, do lado português coisas bonitas, mas sobretudo muitas casas em ruína, a ameaçarem cair sobre quem passa nas rua, a merecerem melhor sorte e com reconstrução condizente à tipologia de materiais e tradição, o que não vi de todo na maior parte das reconstruções, algumas autênticas aberrações. Vi algumas dessas ruínas à venda, mas acredito que com valores desfazados da realidade. O local é bonito, com algum valor turístico, mas em rigor daquelas ruínas pouco ou nada se aproveita numa reconstrução, para além do modelo e tipologia a seguir e respeitar. Ora os vendedores e imobiliárias nestas casos têm a tentação de vender um monte de pedras como se ouro seja.

Fica a ideia que por ali, apesar da natureza da aldeia e da sua integração no Parque Natural de Montesinho, cada um constrói e reconstrói como bem lhe apetece. E do que se vê reconstruído, invariavelmente relacionado ao turismo, nomeadamente com casas de alojamento. A comprovar esta falta de gosto, até a vista frontal da bonita igreja matriz é perturbada por vários grossos e negros cabos da rede eléctrica. Que raio de gente esta que manda nestas coisas, a ponto de não serem capazes de encontrar uma solução que desvie os cabos da vista?

Merecia, de facto, uma maior atenção dos responsáveis. Ainda muito falta fazer por ali, mas também, convenhamos, quem é que se preocupa com uma aldeia isolada ali na extrema de um país que pouco ou nada valoriza o seu interior e sobretudo o mais profundo?

O caminho que falta percorrer nesse sentido de valorização e requalificação ainda é longo e sinuoso como a estrada que liga a Bragança, que dizem que parte dela só a partir de década de 1960, pelo que pelo menos uns 30 quilómetros até à aldeia eram percorridos apenas por trilhos e caminhos no que acentuava o seu isolamento face a povoados próximos, sobretudo à sede do concelho.

Rio de Onor, seja como for, a merecer visita, mas sobretudo amor.

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