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Diário de quem já não vai para novo

...porque as palavras são a voz da alma.

Diário de quem já não vai para novo

...porque as palavras são a voz da alma.

16.01.25

Contas da vida


a. almeida

Que engraçado,
Dizerem que a vida são dois dias!
Quase como num fado,
Cantando lamentos e melancolias.

Outros, porém, dirão:
- A vida tem apenas os dias destinados.
Do berço ao caixão,
Muitos ou poucos, apenas dias contados.

O resto, pouco conta,
Nesta vã conta de contar por dias a vida.
Coisa de pouca monta,
Quando a morte, por fim, a der por resolvida.

15.01.25

Sementeira


a. almeida

Cai a chuva, generosa,
a regar a terra ressequida,
a saciar o poema semeado
em sulcos, em leito de letras.
Virá, então, a Primavera,
de um sol doce e morno,
a aquecer a frieza da terra,
e das letras brotarão palavras
que dispostas com sentido,
como flores num ramalhete,
brilharão coloridas, perfumadas.
Contarão histórias e emoções.
Ao longe espalharão sentimentos
como quem de novo a lançar
à terra nua a nova sementeira,
para um novo ciclo, outro recomeço.

14.01.25

Um grande escritor


a. almeida

Sem perceber o verdadeiro alcance da questão, um visitante, no contexto de um anterior artigo relacionado com J. Rentes de Carvalho, que leio e aprecio, e que, por isso, tenho-o como "grande escritor", perguntava-me, nos comentários, o que era para mim "um grande escritor".

A resposta adequada dependeria sempre do propósito da pergunta, porque esta poderia ter implícita alguma ironia, crítica, contradição, etc. Poderia ser uma pergunta introspectiva ou meramente inocente. Por isso, mereceria uma longa e explicativa resposta ou apenas um gracejo curto e grosso.

Em todo o caso, e em sentido geral, parece-me que classificar um autor como "grande escritor" pode significar várias coisas, dependendo do contexto e dos critérios utilizados. Essa expressão carrega uma dimensão subjectiva e, ao mesmo tempo, associa-se a certos padrões amplamente reconhecidos. A seguir, algumas interpretações possíveis:

Qualidade Literária
Um "grande escritor" é frequentemente associado à excelência na qualidade da escrita: estilo sofisticado, originalidade, criatividade e habilidade técnica no uso da linguagem, conseguindo transmitir ideias, emoções e histórias de maneira cativante e inovadora, mostrando um domínio do ofício.

Impacto Cultural
Um escritor pode ser considerado "grande" pela sua influência duradoura na cultura, moldando a literatura ou a sociedade de forma significativa.
Os seus trabalhos, as suas obras, frequentemente transcendem gerações, sendo lidos, discutidos e adaptados em contextos variados.

Profundidade Temática
Um grande escritor é, muitas vezes, aquele que aborda questões humanas, sociais, políticas ou filosóficas de maneira profunda e universal.
Pode iluminar aspectos da condição humana que ressoam em diferentes épocas e culturas.

Reconhecimento Crítico e Popular
A obtenção de prémios, aclamação recorrente da crítica e impacto na academia literária podem contribuir para classificar alguém como "grande escritor".
Entretanto, também se reconhecem escritores cujas obras, em diferentes tempos, lugares e contextos, atingiram grandes públicos e se tornaram clássicos populares.

Inovação e Originalidade
Um grande escritor pode ser aquele que desafia convenções literárias, introduzindo novas formas, estilos ou géneros que revolucionam a literatura.

LIgação com os Leitores
A capacidade de criar personagens memoráveis e histórias que ressoam emocionalmente com os leitores é uma característica marcante.
Mesmo escritores que não seguem convenções podem ser considerados grandes pela forma como cativam os seus leitores.

Legado
O tempo é frequentemente um critério decisivo: um grande escritor é aquele cuja obra permanece relevante e admirada mesmo após a sua morte. Não nos faltam exemplos a nível mundial e mesmo em Portugal.

Em resumo, chamar alguém de "grande escritor" é, muitas vezes, reconhecer uma combinação de habilidade técnica, profundidade temática, impacto cultural e legado duradouro. A subjectividade está sempre presente, pois os critérios podem variar entre leitores, culturas e períodos históricos.

Não obstante, o que é, para muitos, um "grande escritor" para muitos outros nada diz. Por exemplo, mesmo tendo sido reconhecido com o Nobel da Literatura, não consigo ler nem apreciar a obra de Saramago. E mais exemplos poderia citar.

Em suma, um grande escritor é, sobretudo, aquele que nos diz algo da forma como melhor o sentimos. Neste sentido, e independentemente do que possam dizer os entendidos e analisar os críticos, repetindo-me, tenho como "grande escritor" J. Rentes de Carvalho. Uma folha com uma sua crónica ou um curto apontamento de diário diz-me mais do que um calhamaço de Rodrigues dos Santos.

Sei que ainda é desconhecido, não faz parte dos círculos dos experts, nem é de esquerda, o que não o ajuda no nosso meio, mas basta-me que seja o que é, sem tirar nem pôr.

09.01.25

Só, na multidão


a. almeida

Há quem se amedronte, lute contra a solidão,
Não daquela que resulta do desdém dos demais,
Mas da que nos faz sentir sozinhos na multidão,
Num mar de rostos vazios, sem porto nem cais.

Assim, cercado de tudo mas por dentro vazio,
Vou vivendo num permanente, eterno fingimento,
Perdido, às voltas, como nos meandros de um rio,
Fazendo de conta que a tristeza é contentamento.

Entre o ruído que doi e o silêncio que fala
Há um instransponível abismo, imenso, fundo,
Em que o meu grito solto não ecoa, antes cala,
Onde me sinto apertado na largura do mundo.

Sou fera perdida, a quem fizeram um cerco,
O eco de mim mesmo já perdido na amplidão.
Nem a multidão me encontra, nem dela me perco,
Sem certezas, sem dúvidas, só contradição.

08.01.25

Contra moinhos de vento


a. almeida

(para maiores de 18 anos)

 

Bem sei que o mundo está do avesso,
Nada do que fazia sentido é certo.
Vai fora de mão quem não alinha nisto,
Quem não segue o carneiro, a moda.
É o maior, agora, qualquer burgesso,
Qualquer Chico que se mostre esperto,
A quem basta um peidinho para ser visto
Como o inventor da pólvora e da roda.

Dano-me, pois claro, enfurece-me,
Ver tudo isto de pernas para o ar,
Com o talento, o mérito, em perda.
Finjo, contenho-me, mas apetece-me,
Se não mandá-los a todos eles, cagar,
Pelo menos, vá lá, mandá-los à merda.

Por outro lado, não há quem se importe
Em ver esta realidade, este desalento.
Eu mesmo, sou um simples D. Quixote
Na vã luta contra os moinhos de vento.

É o que é! Pouco mais há a fazer
Senão, pelo menos, mandá-los foder!

07.01.25

Mais semana menos semana...


a. almeida

Da imprensa:
"O Livre vai propor no parlamento alargar das atuais 10 para 14 semanas o prazo para a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), pretendendo eliminar o período de reflexão obrigatório e alterar os termos da objeção de consciência."

- E porque não para as 20 ou 24 semanas? Para os proponentes e depois para quem recorre ao aborto, qual a diferença? Qual o impacto moral ou de outra natureza se tudo, afinal, para ambos, parece ser uma questão de números, de dias, de semanas, nada mais contando?

06.01.25

Roda da vida


a. almeida

Era eu jovem, o mundo obra inacabada,
O horizonte, um convite à descoberta;
A vida, era poesia ainda não declamada,
A cantar promessas numa estrada incerta.

Corriam os dias em mansos rios, sem pressa,
O futuro era fábula, lição aberta, quimera;
Cada instante guardava toda uma promessa,
De um amanhã vasto, todo à minha espera.

Agora, adulto, carrego o presente,
Como pedra que o tempo poliu sem dó.
O amanhã apresenta-se incoerente,
Ofuscado num dormente cansaço, em pó.

Mora em mim a saudade das coisas bonitas
Do muito que sonhei, do viver tão intenso;
Das manhãs que me pareciam infinitas,
Hoje ecoa o vazio num silêncio imenso.

Ah, juventude! Não foste o que esperava,
Mas o que sonhei que serias... tão minha!
Agora, ao olhar o que então me iluminava
Já sinto a minha estrela apagar-se, sozinha.

Mas não! Não lamento! É o ciclo da vida,
A roda que gira, gira, sem pedir permissão;
Se a saudade dói e pesa na alma ferida,
É porque nela ainda bate forte um coração.

Que fiquem as memórias de ontem guardadas,
No baú das lembranças, na poeira do tempo;
Agora é ver poesia nas lágrimas derramadas
E no pomar da velhice colher contentamento.