03.09.24
Desaparecimentos - Acudam que é lobo!
a. almeida
Com o devido respeito para as dramáticas situações dos verdadeiros desaparecimentos, sobretudo de crianças, e daqueles que não são resolvidos passadas poucas horas ou dias depois, e se transformam fatidicamente em eternidades, como o mediático desaparecimento de Rui Pedro Teixeira Mendonça, desde 4 de Março de 1998, ou da inglesa Madeleine Beth McCann, desaparecida na noite de quinta-feira, 3 de Maio de 2007 do apartamento onde seus pais estavam em férias, na Praia da Luz, Algarve, parece-me que tem havido um uso e abuso de reporte de situações consideradas como desaparecimentos, sobretudo ao nível das redes sociais. De facto, raro é o dia em que não vejo partilhas e replicações destas, de situações de supostos desaparecimentos.
Se é certo que a este nível as redes sociais podem ser uma boa ajuda no alerta e identificação de desaparecidos, também é verdade que por falta de escrutínio e critério, tudo o que vem à rede é peixe. Assim, não raras vezes, vejo malta cá do sítio e "amigos" do Facebook a partilhar desaparecimentos de alguém que, felizmente foi encontrado pouco depois do alerta. De gente que foi dada como desaparecida há meses e mesmo anos, e que terão sido imediatamente encontrados ou aparecidos, continuamos, todavia, a partilhar e a replicar como se tudo tivesse acontecido ontem. São, de facto, raros os utilizadores que antes de partilhar reparam na data da notícia original, ou pesquisam se o alerta é verdadeiro, quando aconteceu e onde.
Outra situação curiosa, é observar a gente cá do lugar a fazer esse tipo de partilhas sobre desaparecidos estrangeiros, sobretudo no Brasil e América latina em geral, como se todos fossem nossos vizinhos e tivessem tomado o avião ou o barco e viessem cá dar uma volta.
Não fosse dramático o caso dos verdadeiros desaparecimentos, pela angústia, incerteza e dor que causam aos familiares, sobretudo aos pais de crianças, e seria isto motivo de riso.
Para além de tudo, reparem que muita gente é dada como desaparecida através das redes sociais, mas raramente é dada a notícia de que já apareceram e em que circunstâncias se deveu o "desaparecimento". E todos sabemos que, para o bem ou para o mal, muitos desses "desaparecimentos", sobretudo de jovens e adolescentes, não foram mais que aventuras por contra própria, com desconhecimento e desrespeito pelos pais e familiares, indo tirar uns dias de férias e participar em farras, ao encontro de namorados e namoradas, e tantas vezes com desconhecidos acabados de conhecer nas redes sociais. Acabado o mel, a fantasia e o dinheiro, regra geral regressam onde há cama, mesa e roupa lavada. São mais que muitos os casos que conheço com essas "particularidades românticas". Verdadeiros "desaparecimentos em combate".
Não raras vezes, junto dos "meus amigos", tenho alertado para a necessidade de escrutínio e pesquisa antes de embarcarem na replicação de partilhas, e dou exemplos de situações que estando a ser partilhadas na actualidade já foram dadas como resolvidas há meses e mesmo anos. Mas é perda de tempo, chuva no molhado. É desta ligeireza que aproveita a quem espalha a coisa. Siga!
O problema destas coisas, é que à custa de tantas banalidades, às tantas deixamos de levar a sério as situações de verdadeiros desaparecimentos, um pouco como a história do jovem pastor brincalhão que para se rir com a reacção dos vizinhos volta e meia gritava à aldeia: "-Acudam que é lobo!". Ora quando cansados de verificar que os alertas eram infundados e até de brincadeira, deixaram de acudir e quando de facto apareceu o lobo mau a atacar o rebanho, de nada serviu ao pastor gritar em socorro, porque ninguém o levou a sério.
É pois, isto que vai acontecendo. Nunca deram bons resultados as brincadeiras com coisas sérias. Um pouco mais de contenção, escrutínio e análise não fazem mal algum, que mais não seja para não andar alimentar gente que vai vivendo destes expedientes.