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Diário de quem já não vai para novo

...e sem paciência para seguir o rebanho.

Diário de quem já não vai para novo

...e sem paciência para seguir o rebanho.

14.02.25

Vazio


a. almeida

Não! Talvez já não valha a pena
Esperar do homem epifanias
Que o levem a mais humanidade;

Foi-se a esperança na última cena,
Sala e cadeiras ficaram vazias;
E nada sobrou dessa veleidade.

O poeta assim não sente remorsos
Porque o homem já não o inspira,
Sombrio jardim onde nada medra;

Lamenta-se, vencido de esforços
Por ver na alma, cheia de mentira,
Menos poesia do que numa pedra

12.02.25

Bora lá, bora cá


a. almeida

Por tudo e por nada,
Por esta palha dá cá,
Já é frase cansada,
O "malta, bora lá!"

Apetece dizer; -Basta!
De tão foleiro que soa.
Já cansa de tão gasta
Porque se diz tão à toa.

Não que não se possa,
Dizer a interjeição,
Mas, assim, faz mossa
Na fala da perfeição.

Pois, bora lá, isto!
Pois, bora lá aquilo!
O borá lá, está visto,
Vende-se bem, ao quilo.

De tanto falar, bora lá,
Calão usado e abusado,
Por borá lá, por borra cá,
Ainda se acaba borrado.

Vá lá, só mais um bora, lá!:
Pronto! bora lá! Acabou!
Já, pois, não está cá
Quem tal coisa falou.

27.01.25

Contas da vida


a. almeida

Ao humano, a cada um,
Interessa fazer as contas da vida,
O deve e o haver, o antes e o depois,
Saber que um, mais um,
Pode bem ser muito mais que dois.

Um, mais um, são dois, pois concerteza,
Nem preciso é contar usando os dedos,
Porque de tão simples é tal equação.
Mas tal conta, é soma de amor, de beleza,
Duas vidas juntas, a subtrair medos,
A somar sentimentos, a dividir emoção.

Mas não! Não se canse nem padeça,
Se de, tal modo, a conta não aconteça:
Quem não queira resolver tal equação
Terá sempre a vida difícil, se não má,
Sendo que, porém, o que não tem solução
Por natureza, dizem, solucionado está.

21.01.25

Evocação a Torga


a. almeida

Passou-me despercebida a data, mas ainda a tempo de a evocar, a passagem dos 30 anos sobre a sua morte. Miguel Torga, vulto maior da nossa literatura, poesia e pensamento deixou-nos em 17 de janeiro de 1995.

torga1 (1).jpg

Foi no seu reino encantado,
Parido na dureza do granito,
Na aspereza das colinas famintas
Onde o vento agreste ceifa fundo.

Mas logo que feito, despontado,
Num assomo de homem, rapazito,
Galgou mares, ao destino fez fintas
E tornou-se pleno homem do mundo.

Fez-se doutor, a dor a mitigar
Aos corpos rudes, à alma, ao país
Sem liberdade, como ferida aberta;

Deu por perdida a luta de se encontrar,
Um homem a não querer dar-se por feliz,
Mas se sim, na liberdade, no ser poeta.

20.01.25

Viver na medida certa, sonhar na do impossível


a. almeida

Não comas além do que o teu cansaço pedir,
Nem bebas mais do que a medida da tua sede.
Não durmas além do repouso de guerreiro,
Nem te rendas ao descanso por ociosidade.
Repara o corpo, o vigor dos braços e mãos,
Liberta a alma das vendas da cegueira.

Não corras além da medida dos teus passos
Para que a tua sombra não te alcance.
Evita caminhos obscuros, sem luz,
Não suceda que te percas e não te encontrem.
Não te comovas por quem nunca se compadeceu,
Nem derrames lágrimas por quem te fez sofrer.
Guarda o riso, longe do infortúnio alheio,
E dança apenas quando a alegria for pura.
-
Mas ama! Ama com toda a força,
Tanto quanto o teu coração seja capaz,
Mesmo que o amor extravase, como mar em fúria.
E sonha! Sonha para além do atingível.
Se o teu sonho te deixar à beira do abismo,
Fecha os olhos, confia.
Lança-te!
Voa!

16.01.25

Contas da vida


a. almeida

Que engraçado,
Dizerem que a vida são dois dias!
Quase como num fado,
Cantando lamentos e melancolias.

Outros, porém, dirão:
- A vida tem apenas os dias destinados.
Do berço ao caixão,
Muitos ou poucos, apenas dias contados.

O resto, pouco conta,
Nesta vã conta de contar por dias a vida.
Coisa de pouca monta,
Quando a morte, por fim, a der por resolvida.

15.01.25

Sementeira


a. almeida

Cai a chuva, generosa,
a regar a terra ressequida,
a saciar o poema semeado
em sulcos, em leito de letras.
Virá, então, a Primavera,
de um sol doce e morno,
a aquecer a frieza da terra,
e das letras brotarão palavras
que dispostas com sentido,
como flores num ramalhete,
brilharão coloridas, perfumadas.
Contarão histórias e emoções.
Ao longe espalharão sentimentos
como quem de novo a lançar
à terra nua a nova sementeira,
para um novo ciclo, outro recomeço.