23.09.24
O senhor Outono
a. almeida
Tão rápido como chegou, foi-se o Verão e de mansinho deu lugar ao senhor Outono, austero e experiente, habituado a colher o que a Primavera brotou e o Verão amadureceu.
Não tardou, pois, que o senhor Outono pusesse mãos à obra e num ápice convocou as gentes do campo para a azáfama das colheitas por campos e soutos, montes e vales. Espigas de milho doiradas e maduras já enchem os cestos e amontoam-se nas velhas eiras; Os pesados cachos de uvas maduras, pintadas a ouro ou a púrpura, já enchem lagares onde numa cobertor de mosto brotarão vinho.
É verdade que as desfolhadas, como se diz na minha aldeia, já não reúnem o povo numa roda viva de trabalho, contentamento e cantigas; Já não há xi-coração ao milho-rei e o serandeiro já não aparece discreto com o ramo de manjericão ou rosmaninho e as raparigas já não querem partir as unhas e as suas desfolhadas são outras.
No lagar já não há pernas despidas numa dança de ombros unidos ao som da sanfona ou da concertina. Certamente que num ou noutro local remoto deste nosso Portugal, para turista ver, mas no resto, as máquinas pouparam-nos o esforço mesmo que roubando-nos a alegria do colher e transformar com as mãos.
O senhor Outono já não é o que era e até ele já parece mais desconsolado, desanimado com a partida que os tempos lhe ttêm pregado. Já nem as suas roupagens de tons quentes nos consegue aquecer a alma ou extasiar o olhar.
Ficamos, pois, indolentes, à espera do senhor Inverno, que com mais frequência se atrasa, mas que há-de-chegar, mesmo que em repelões, frio e molhado, a remeter-nos já não à lareira e adormecer no embalo do morno das brasas ou ao ritmo de velhas histórias e antigas lendas, mas ao sofá, acolhedor, a matar o tempo, olhando a televisão até que o sono diga: - Boa noite!