24.09.24
O ananás de cu para cima
a. almeida
Esforço-me por não ser de cenas fora do palco, evito embarcar em modas e modinhas, juntar-me a rebanhos só porque quase todos seguem cegos de entusiamo o carneiro-mor.
O peso da idade, para além de várias coisas inconvenientes, deve servir para medir a largura e altura da porta para que por ela passemos em segurança, sem romper os cotovelos nas ombreiras nem dar umas cabeçadas na padieira. Bom senso e caldos de galinha nunca fizeram mal a alguém. No resto, não sou perfeito pelo que não me recomendo como modelo de virtudes.
Apesar disso, dá-me pena ver certos alinhamentos, gente que segue a carneirada sem escrutínio próprio, sem capacidade de auto-censura, expondo-se a ridículos, banalizando-se, alinhando facilmente em comboios como uma qualquer e simplória Maria a ir atrás das outras.
A propósito da cena de gente solitária e seguramente com défice de auto-estima, que em certo horário vai a uma certa superfície comercial (que não me paga para lhe publicitar o nome) comprar um ananás e com ele enfiado de cu para o ar no carrinho das compras, vai até ao corredor dos vinhos numa expectativa acriançada de encontrar um parceiro que perceba o sinal e que esteja livre e disposto a uma relação mais ou menos às cegas, mais ou menos fortuita ou inconsequente.
E quando pensamos que isto seria apenas uma brincadeira oca de alguém que tem peso nas redes sociais para lançar modas e tendências, para alcançar visualizações e ganhos de publicidade e notoriedade, dizem-me que a coisa pegou e tornou-se mesmo uma realidade, ou como agora se diz, viral, tal e qual uma gripe mas que em vez de tosse e ranho afecta apenas a mioleira.
Não sei nem quero saber que tempo durará a coisa, porque há paninhos, como as cuecas, que importa mudar, não ao fim de uma semana mas pelo menos sempre que se toma banho. Por razões óbvias.
Em resumo, mesmo sabendo que cada um é cada um, ou uma, e que todos têm a liberdade para fazerem o que melhor lhes der nas ganas, na telha, mas que considero deprimente, sim, e mostra muito do valor dos valores da nossa sociedade ocidental, em que a dignidade se mede pela capacidade de virar um ananás do avesso e de ir espreitar os tintos e os brancos, quiçá os rosés, como quem joga na lotaria da vida à espera que lhe calhe alguém na rifa.
As relações são cada vez mais virtuais e a prazo, meros balões de ar quente que facilmente perdem o gás e, divagando ao sabor dos caprichos do vento, quase sempre na certeza de que acabam por cair. Mas, ao contrário dos balões de papel que sobem com uma simples acendalha, as quedas nas relações humanas quase sempre acontecem com estrondo, se não suficientes para quebrar ossos, pelo menos para nos deixar atordoados.
Infelizmente, ou não, é neste sentido que a coisa marcha. De todo o modo e deste modo, prefiro andar de passo trocado, até porque tenho cá para mim que os outros é que avançam desacertados.
Companhia, marcha!