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Diário de quem já não vai para novo

...porque as palavras são a voz da alma.

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13.06.24

Infantilidades


a. almeida

Li na imprensa de ontem, que o "trabalho artístico está a aumentar entre as crianças", sendo cada vez maior o número de solicitações, sobretudo para actores e músicos e que, consultados os especialistas da coisa, estes mostram-se preocupados com a "pressão mediática" e tudo o mais que mexa com o natural desenvolvimento dos infantis. Os pais, esses querem é que os petizes sejam todos famosos e assim de pequeninos lhes vão torcendo os pepinos.

Como também tenho direito à opinião, considero que tudo isto é uma enorme hipocrisia de uma sociedade e leis que fazem distinção entre o trabalho, não colocando todas as suas áreas no mesmo plano de igualdade e dignidade, como se um actor, músico ou futebolista sejam diferentes de um pedreiro, mineiro ou agricultor. Logo é permitido trabalho infantil nas ditas áreas "artísticas" mas não noutras actividades, mesmo que compatíveis com as possibilidades físicas de cada idade, e muitas seriam capzes de também "instruir e formar". E digo-o eu, com a autoridade de quem começou a trabalhar numa fábrica ainda com 12 anos incompletos e não deixou, por isso, de estudar de noite e trabalhar de dia, comprar terreno, construir casa, ter filhos, educá-los e dar-lhes formação superior, sem ajuda de ninguém nem do Estado. Não é para todos? Pois não, é que isso implica trabalho e sacrifício constantes, e privações sim (bons carros, férias e viagens), e por ora ninguém gosta desta sobremesa.

Mas é disto que a casa gasta e assim vamos tendo nas escolas matulões e matulonas, sem nada fazer, sem aproveitamento escolar, ou pelo sistema a serem empurrados para a frente porque importa mostrar resultados, limitando-se a ocupar e a gastar recursos, a serem pesados encargos para os pais, na generalidade sem possibilidades, e para o Estado, como quem diz, para todos nós. Mas andam por ali.

Com tudo isto, não sou a favor, de todo, do trabalho infantil, porque o senti na pele, mas também não sou a favor desta hipocrisia geral e distinção entre o trabalho, quando no fundo andamos todos para aqui a berrar direitos e igualdades. Mas não me faria espécie que a idade de escolaridade obrigatória fosse revista e ficasse pelo nono ano e que a partir daí estude quem queira com vontade e empenho e tenha objectivo aproveitamento escolar, não simulado, e comece a trabalhar, efectivamente, em áreas adequadas às idades ou com formação mais técnica e manual com vista à subsequente integração no mercado de trabalho. 

Não sendo assim, andamos, sem meios para tal, à procura de uma sociedade onde todos possam ser doutores e engenheiros e a promover trabalho infantil para uma classe de actores e cantores, a preencher elencos de telenovelas e realities shows. Depois, para o resto, que venham os imigrantes desqualificados para nos plantar as batatas, colher os tomates e mirtilos, pescar as sardinhas e carapaus, construir as casas e fazer estradas, servir-nos nos restaurantes ou limpar o lixo que deixamos nas ruas.