A celebração do 10 de Junho é um momento para alguns políticos e alguns ilustres convidados, proferirem uns discursos mais ou menos líricos, filosóficos e existencialistas que, em bom rigor, a poucos interessam. Até a Lídia Jorge veio ao púlpito filosofar. Há quem diga mais por menos e, como disse Saramago, a pessoa mais sábia que tinha conhecido em toda a sua vida não sabia ler nem escrever.
Confesso que esta história do sermos - enquanto portugueses - puros ou não, como se estivéssemos a falar do pedigree de cavalos, cães ou gatos, seja lá o que isso queira significar, é uma boa e grande treta e desde logo porque é questão que sinto que nunca se colocou na nossa sociedade. Colocaram-na os nazis e sabe-se o resultado.
Quero lá saber se os meus mais recuados antanhos foram pretos ou brancos, amarelos ou vermelhos, senhores, criados ou escravos, castigadores ou castigados, africanos ou asiáticos, do pólo norte ou do sul?
Do que, pelas minhas pesquisas genealógicas, já recuei nas raízes dos meus, mais coisa menos coisa, tirando alguns que andaram pelo Brasil, como quase todos, não encontrei ninguém que fosse dado como extraterrestre, de Marte ou mais além. Escravos, sim, foram todos, do trabalho pela susbistência de si próprios e dos seus, porque a Nação, a Pátria, o Estado, nunca foram de dar, antes de subtrair.
Este tema que dominou os discursos do 10 de Junho, creio que nem interessaria a Camões. A mim, fosse da caminhada de quase 15 km por montes e vales, do ar de trovoada que se sentia ou efeitos do Quinta da Companhia, um fantástico verde, que se rematou com um bom punhado de cerejas de Resende, deu-me sono.
Importante, seria, que mais que os discursos fossem acções e que mais que a gente ilustre seja dada importância, valor e reconhecimento aos portuguêses comuns, aos que no dia a dia trabalham com dignidade, cumpriram e cumprem as suas obrigações, mesmo que o Estado seja mau reconhecedor e mestre na desconsideração. Neste leque, de gente que perdeu a vida ou ficou com ela mutilada nas coisas da tropa e da guerra. Felizmente, por mim, nem uma coisa nem outra, regressei vivo e inteiro mas maracdo e saí de lá de bolsos vazios em que a paga de dois anos de serviço obrigatório não deu sequer para pagar os quartos de bilhete num comboio lento e manhoso de norte para sul e retorno. O Estado, que tanta coisa nos faz de forma automática, como emitir a nota de cobrança do imposto de IMI, ou executar qualquer dívida pelo atraso no seu pagamento, sem apelo nem agravo, não se dignou a automatizar esse meu tempo de tropa na contagem dos anos para a reforma, obrigando-me, e aos interessados, a submeterem-se à burocracia, a preencher requerimentos, a fazer o pedido e esperar o favor do deferimento por um qualquer director afilhado do partidarismo.
Posto isto, quanto ao discurso e tema, balelas de uma escritora inspirada e do popularucho da nação, que nada acrescentam. Um desperdício de tempo e dinheiro.