Perdoar-me-á, o J. Rentes de Carvalho, mas não resisto a reproduzir na íntegra uma das suas pérolas da escrita e pensamento. De resto, é por uma boa causa, porque de facto andamos , de há muito, a cavar nesta imbecilidade de usarmos os inglesismos por tudo e por nada, não só na fala e na escrita, como nas parangonas dos títulos ou designações de eventos. Cada tiro cada melro, cada cavadela, cada minhoca. Somos uns tristes e nma miséria que não se compreende com a riqueza da nossa língua, de Camões, de Eça, de Pessoa, de Torga e tantos, tantos outros. De facto gostamos de usar fantasias carnavalescas que nos ficam curtas nas mangas e com isso, mesmo em Carnaval, ficamos ridículos.
"A língua que nos deram
Todos conhecemos momentos em que se hesita entre a gargalhada e o choro, mas não são esses os piores. Ruins mesmo são os que enfastiam e nos deixam num estado de prostração, porque pôr o dedo na chaga de nada adianta quando sabemos que nos falta remédio para ela.
Vem isto a propósito do fenómeno generalizado e nacional do arroto de postas de pescada no que toca o uso a língua inglesa. De doutor a semi-analfabeto há uma rapaziada a quem se lhes meteu na cabeça que a demonstração de ser fino, sabido, pertencer aos eleitos, à fina-flor, não dispensa umas pazadas de Inglês. E vá de arrotar. Ora em exclamações, ora citando meia página de Shakespeare, umas frases de Johnson, às vezes lavra própria, causando arrepios a quem sabe da poda e se pergunta se aquilo é sintoma de doença.
Porque doença é, e uma forma de pobreza. Nada mais deprimente do que ver alguém, julgando que bota figura no carnaval da intelectualidade, usar uma fantasia que lhe fica curta nas mangas.
Oiça, mesmo na forma simples e popular, a sua, a nossa língua-mãe é tão rica que lhe permite exprimir adequadamente, e até com elegância, os seus sentimentos, conviver, comunicar impressões, participar no trato social. Quer mais? Abra os ouvidos. Ainda há gente a falar um Português correcto. Quer apurar o vocabulário e o estilo? Tem aí Fernão Lopes, Vieira, Camões, Bocage, Fialho, Eça, Pessoa, tantos outros. Leia.
Mas por favor, caia em si, poupe-nos o espectáculo, não se envergonhe de quem é, de quem somos, da língua que nos deram."
J. Rentes de Carvalho