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Diário de quem já não vai para novo

...porque as palavras são a voz da alma.

Diário de quem já não vai para novo

...porque as palavras são a voz da alma.

06.09.24

Cabras e cabrões, sol e sombra


a. almeida

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Sabemos que há quem goste de viver à sombra dos outros, vivendo bem à custa do suor alheio. Os exemplos são mais que muitos e não é preciso ir a Marte para os encontrar, por mais disfarçados que por aí andem, mesmo que sem qualquer aparente assomo de vergonha ou decoro na exibição de riqueza.

Não falta por aqui e por ali, gente a vender cabritos sem que tenham cabras. Pessoalmente conheço uns poucos, como o patrão do Chico que lhe deve já uns bons milhares, mas faz-se andar de Mercedes, enquanto ele, o empregado, vai andando no seu carrito a passar dos  20 anos. Vai aguentando o Chico, na perspectiva de um rebate de consciência ou de vergonha do patrão, mas vai sendo tempo perdido e inglório porque quanto mais aguenta mais cresce o fardo do calote. Já foi condenado, o chefe, por incumprimentos às finanças e segurança social, mas em vez de o remeterem para a sombra dos calabouços, vão-lhe dando consecutivas oportunidades a troco de uns planos de pagamento, que quase sempre falha, e assim vai andando entre os pingos da chuva e a exibir boa vida.

Mas há igualmente quem precise da sombra apenas como uma bem natural, para sobreviver às agruras de um sol tórrido, como em plena serra do Montemuro. Ali, na sombra norte de uma capelinha tão solitária quanto desolada, um grupo de cabras e ovelhas parece que reza encostado a uma qualquer parede sagrada, mas na realidade, apenas a proteger-se da inclemência do nosso astro-rei.

Por esses lados, a natureza maravilha-nos com a abrangência da paisagem e do horizonte, mas não é de meias medidas no castigo, e ora fustiga com calor, ora castiga com vento, frio e neve. Sem a sorte de um cãozinho ou gato de estimação, é este o destino de alguns animais, por mais adaptados que estejam a esses lugares.

Porventura a vida será boa para alguns cabrões, mas não para estas e outras cabras. Valha-lhes S. Cristóvão e a abençoada sombrinha da sua capela!

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05.09.24

Aldeia da Pena


a. almeida

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Aldeia da Pena, freguesia de Covas do Rio, concelho de S. Pedro do Sul.

Uma aldeia de xisto onde dizem que regularmente apenas vivem sete pessoas. Uma jóia perdida e à qual não é fácil chegar. Basta pensar que, vindos de Arouca, tem que se passar pelo Portal do Inferno e contornar penedos e escarpas. Mas vale a pena o esforço, as vertigens e as mãos suadas pelo “cagufe”, para quem ali quiser comer, cabrito ou vitela, um ambiente rústico à sombra do xisto e da ramada de videiras. Nem sempre a coisa corre bem, como já me aconteceu, porque a conta demasiado alta para um bife deixado torrar, mas em regra não corre mal.

Claro está que uma vez chegados ali, é bem possível que se tenha já visitado Rio de Frades ou Regoufe, por onde em tempos de guerra as montanhas foram esventradas em procura do minério volfrâmio. Outras histórias...

Certamente, porque próximo, que não se deixa de subir ao altaneiro monte de S. Macário (mesmo que abadalhocado com antenas) e de regresso por várias outras aldeias típicas, mesmo que não à mítica e misteriosa Drave que só por si merece um dia e não é de pópó que lá se chega, todas encastradas nas encostas da Freita e da Arada, serras tão bonitas e imponentes que não desmerecem de Estrelas e Marões, como Covas do Monte, Covas do Rio, Fujaco, Gourim, etc.

Mas quem for gente de praia, de planinhos e de paisagens urbanas, por favor, não vá!

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04.09.24

Não havia necessidade


a. almeida

Sobre o facto do primeiro ministro da nação, Luis Montengro, ter aparecido dentro de uma embarcação a inteirar-se da tragédia da queda do helicóptero no rio Douro, de que todos estamos informados, considero igualmente que em tais circunstâncias não havia de todo essa necessidade. Mas daí achar que tal situação atrapalhou as buscas e resgate, é no mínimo ridículo, não faz sentido e resulta de falta de honestidade intelectual de quem tal considerou.
Em resumo, não havia necessidade, porventura, sim, junto dos familiares, o que deduzo que terá, antes ou depois, acontecido, e se não teve um propósito intencional de promoção mediática, pôs-se muito a jeito.
Não servindo de desculpa, todavia, o que não faltam são exemplos mais ou menos similares, sobretudo em incêndios, cheias ou outras fatalidades, com autarcas e governantes a misturarem-se com os operacionais nos "teatros de operações". Faz parte da natureza dos políticos, em geral, essa auto-promoção, para mostrarem que são pessoas de acção, interessadas e participantes.
Cá na terrinha, sempre que uma estrada é pavimentada, o chefe da autarquia faz-se fotografar para a posteridade e encharca as redes sociais com tão "notáveis" feitos. Isso e inaugurações, seja do que for em vésperas de eleições. Não perde um momento social, cultural ou desportivo para marcar o ponto e sorrir para o boneco.
Salvo as devidas distâncias, porque este acidente foi de facto demasiado sério e trágico, por isso em nada equiparável a coisas de somenos importância, ilustra, porém, muita da filosofia dos nossos políticos. Recato ou discrição, sendo ou não a mesma coisa, são atributos que a classe quase sempre dispensa, seja na Junta de Freguesia, na Câmara Municipal ou no Governo.

03.09.24

Desaparecimentos - Acudam que é lobo!


a. almeida

Com o devido respeito para as dramáticas situações dos verdadeiros desaparecimentos, sobretudo de crianças, e daqueles que não são resolvidos passadas poucas horas ou dias depois, e se transformam fatidicamente em eternidades, como o mediático desaparecimento de Rui Pedro Teixeira Mendonça, desde  4 de Março de 1998,  ou da inglesa Madeleine Beth McCann, desaparecida na noite de quinta-feira, 3 de Maio de 2007 do apartamento onde seus pais estavam em férias,  na Praia da Luz, Algarve, parece-me que tem havido um uso e abuso de reporte de situações consideradas como desaparecimentos, sobretudo ao nível das redes sociais. De facto, raro é o dia em que não vejo partilhas e replicações destas, de situações de supostos desaparecimentos.

Se é certo que a este nível as redes sociais podem ser uma boa ajuda no alerta e identificação de desaparecidos, também é verdade que por falta de escrutínio e critério, tudo o que vem à rede é peixe. Assim, não raras vezes, vejo malta cá do sítio e "amigos" do Facebook  a partilhar desaparecimentos de alguém que, felizmente foi encontrado pouco depois do alerta. De gente que foi dada como desaparecida há meses e mesmo anos, e que terão sido imediatamente encontrados ou aparecidos, continuamos, todavia, a partilhar e a replicar como se tudo tivesse acontecido ontem. São, de facto, raros os utilizadores que antes de partilhar reparam na data da notícia original, ou pesquisam se o alerta é verdadeiro, quando aconteceu e onde.

Outra situação curiosa, é observar a gente cá do lugar a fazer esse tipo de partilhas sobre desaparecidos estrangeiros, sobretudo no Brasil e América latina em geral, como se todos fossem nossos vizinhos e tivessem tomado o avião ou o barco e viessem cá dar uma volta.

Não fosse dramático o caso dos verdadeiros desaparecimentos, pela angústia, incerteza e dor que causam aos familiares, sobretudo aos pais de crianças, e seria isto motivo de riso.

Para além de tudo, reparem que muita gente é dada como desaparecida através das redes sociais, mas raramente é dada a notícia de que já apareceram e em que circunstâncias se deveu o "desaparecimento". E todos sabemos que, para o bem ou para o mal, muitos desses "desaparecimentos", sobretudo de jovens e adolescentes, não foram mais que aventuras por contra própria, com desconhecimento e desrespeito pelos pais e familiares, indo tirar uns dias de férias e participar em farras, ao encontro de namorados e namoradas, e tantas vezes com desconhecidos acabados de conhecer nas redes sociais. Acabado o mel, a fantasia e o dinheiro, regra geral regressam onde há cama, mesa e roupa lavada. São mais que muitos os casos que conheço com essas "particularidades românticas". Verdadeiros "desaparecimentos em combate".

Não raras vezes, junto dos "meus amigos", tenho alertado para a necessidade de escrutínio e pesquisa antes de embarcarem na replicação de partilhas, e dou exemplos de situações que estando a ser partilhadas na actualidade já foram dadas como resolvidas há meses e mesmo anos. Mas é perda de tempo, chuva no molhado. É desta ligeireza que aproveita a quem espalha a coisa. Siga!

O problema destas coisas, é que à custa de tantas banalidades, às tantas deixamos de levar a sério as situações de verdadeiros desaparecimentos, um pouco como a história do jovem pastor brincalhão que para se rir com a reacção dos vizinhos volta e meia gritava à aldeia:  "-Acudam que é lobo!". Ora quando cansados de verificar que os alertas eram infundados e até de brincadeira, deixaram de acudir e quando de facto apareceu o lobo mau a atacar o rebanho, de nada serviu ao pastor gritar em socorro, porque ninguém o levou a sério.

É pois, isto que vai acontecendo. Nunca deram bons resultados as brincadeiras com coisas sérias. Um pouco mais de contenção, escrutínio e análise não fazem mal algum, que mais não seja para não andar alimentar gente que vai vivendo destes expedientes.

02.09.24

Engrenagem


a. almeida

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Agora que regresso ao trabalho, e é penoso porque dele já não retiro qualquer prazer (e sim, é possível que o trabalho seja prazeroso), dou comigo a confirmar o que já se sabia, de que isto, a vida, não é mais que uma engrenagem feita de múltiplas rodas dentadas, umas maiores que outras, mas todas entre si encaixadas e dependentes, mesmo que girando a diferentes velocidades por força dos diâmetros e número de dentes.

Se quisermos, é um relógio, de engrenagem mais ou menos oleada, mais ou menos gasta, mas não passa disso. E por isso, demos as voltas que dermos, tudo se resume a ciclos, a pontos de partida nos mesmos pontos de chegada. Então, se tivermos como referências os tempos do nosso mais ou menos habitual calendário, temos as férias, com festas, romarias, festivais de música à fartazana, depois o que a gente do campo diz por colheitas dos frutos do Verão, seguindo-se a ida aos cemitérios acender umas velinhas e depositar umas flores, mesmo que artificiais, por quem no resto do ano andamos esquecidos, logo a seguir, ou mesmo antes,  já o comércio feroz com falinhas mansas a lembrar-nos o Natal e este não tardará. Bacalhau, cabrito, indigestões, e num pulinho estamos a mudar a folha ao calendário enquanto estouram foguetes e rolhas de espumantes. O Carnaval é logo a seguir e para quem segue a coisa, a Quaresma, a Páscoa, os santinhos populares, sardinhas e caldo verde e novamente uma ou duas semanas de férias para nos animar. E tudo recomeça...

Claro está que um dia a coisa pára, até porque não haveria engrenagem que resistisse à imortalidade por mais lubrificante que se lhe aplicasse, mas ainda bem que assim é, porque no rumo que as coisas vão, isto vai dar para o torto e não será preciso esperar pela incineração da Terra quando o Sol se transformar numa gigante vermelha, o que dizem que ainda é coisita para demorar uns quantos bilhões de anos.

Por conseguinte, como num castelo de cartas, com jogadores de mãos nervosas, não tarda que na colocação da próxima, por excesso de peso ou desiquilíbrio, a coisa caia inapelavelmente. Só que, ao contrário de um castelo de cartas, o fim será com estrondo.

A engrenagem está a rolar. Tic. tac, tic, tac, tic, tac...

 

PS: Não levem a sério, pois é o síndrome do primeiro dia de trabalho logo a seguir ao último de "férias".

01.09.24

Crónicas breves de viagens curtas - 2


a. almeida

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Quem já leu e (como eu) releu o “As cidades e as serras”, de Eça de Queiróz, sabe do que falo e do que o trecho a seguir se refere. Relembrando, a descrição do caminho da personagem Jacinto, que vindo do ninho da civilização expressa no seu áureo ponto na cidade das luzes, Paris, decide rumar à austera e velha Quinta de Tormes, um lugar imaginário mas que se refere à Quinta de Vila Nova, localizada por terras de Santa Cruz do Douro – Baião.

Descarregado na estação de comboio em Aregos, na borda do Douro, inicia o caminho sinuoso e íngreme com uma extensão de aproximadamente 4 km, por entre casario e vegetação, e o homem sedentário de Paris, rodeado de todo o conforto civilizacional de que dispunha à época, entra agora num mundo natural, puro, agreste, quase primordial, onde a natureza e a forma de viver simples mostram que a ligação ao homem contém ainda todo esse enraizamento. E nessa simplicidade, que o destino se encarregou de endurecer, perceberá, como irrefutável, a presença dos símbolos de abundância e da vida saudável associada à vida rural.

Nesta pausa estival, fui, também, percorrer esse mítico e real caminho e mesmo que o grande escritor por ali pouco tempo tivesse estado, porque cedo morreu, foi com ele o sonho de transformar a velha casa no seu derradeiro aconchego maternal, que literalmente nunca teve.
Felizmente, a sua filha e a descendência desta, até também se extinguir, conseguiram mitigar esse sonho, transformando a antiga Quinta de Vila Nova, que a ficção transformou numa nova realidade, a Casa de Tormes, num lugar de evocação do escritor. Sem descendência, o legado que engloba a quinta, a casa e muitos objectos pessoais dessa grande figura da nossa melhor literatura, que vieram de Paris depois da sua morte, foi deixado a uma fundação com o nome do autor de Os Maias (1888), O Crime do Padre Amaro (1876), O Primo Basílio (1878), A Capital (1877), entre outros, e criada para o efeito.

Assim tive a oportunidade de visitar a casa, o espaço e tocar em objectos que o escritor usou no seu dia a dia de diplomata e escritor.
Uma rica experiência, a que se juntaram outras e numa prova provada que importará sempre que um simples passeio ou singela estadia tenha um sentido complementar de enriquecimento de cultura e história.

Claro está que as tendências e os gostos modernos não se compadecem com estas “minudências” e de tão atrofiantes essas generalidades, acabam por criar nos outros, poucos, uma sensação de anacronismo, até de um deslocamento no tempo e espaço.
Mas que seja! De resto sempre houve e haverá lugar para tudo e todos, além de que um balão sempre subirá mesmo que cheio de nada, tão somente de ar quente.

Seguem os extractos desse trecho de “As cidades e as serras”:

“E não tardaram a aparecer no córrego, para nos levarem a Tormes, uma égua ruça, um jumento com albarda, um rapaz e um podengo. […] E começamos a trepar o caminho, que não se alisara nem se desbravara […] logo depois de atravessarmos um a trémula ponte de pau, sobre um riacho quebrado por pedregulhos. […] E em breve os nossos males esqueceram ante a incomparável beleza daquela serra bendita!” “Jacinto adiante, na sua égua ruça, murmurava: - Que beleza! E eu atrás, no burro de Sancho, murmurava: - Que beleza! Frescos ramos roçavam os nossos ombros com familiaridade e carinho. Por trás das sebes, carregadas de amoras, as macieiras, estendidas ofereciam as suas maçãs verdes, porque as não tinham maduras. […]

Muito tempo um melro nos seguimento, de azinheiro a olmo, assobiando os nossos louvores. Obrigado, irmão melro! Ramos de macieira, obrigado! Aqui vimos, aqui vimos! E sempre contigo fiquemos, serra tão acolhedora, serra de fartura e de paz, serra bendita entre as serras! Assim, vagarosamente e maravilhados, chegamos àquela avenida de faias."

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