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Diário de quem já não vai para novo

...e sem paciência para seguir o rebanho.

Diário de quem já não vai para novo

...e sem paciência para seguir o rebanho.

30.09.24

Olha eu aqui, olha eu ali


a. almeida

Não me recomendo como modelo de virtudes a alguém, mas, até porque avisado pela sabedoria popular de que "nunca digas, desta água não beberei",  na medida do possível vou procurando alguma discrição ou contenção naquilo que vendo sobre mim próprio. De resto é difícil a tarefa de algum dos meus "amigos" encontrarem nas redes sociais, fotografias onde, como numa montra virtual, me exponha ou aos meus.

Naturalmente que cada um faz como quer e gosta - e quem não gosta de lhe ser dada atenção ou ter o seu momento de fama? - mas, todavia, por natureza, desconfio de quem pelas redes sociais anda num permanente lufa-lufa a mostrar-se, a falar de si próprio: - Olha eu aqui, olha eu ali, olha eu acolá, aqui a fazer assim, ali a fazer assado, acolá a fazer guisado, aqui com o fulano, ali com o beltrano, acolá com o sicrano, etc, etc.

Não, vou pois, muito a essas missas e de gente tão mostrada, diria exibicionista, é melhor, e por cautela, ter atenção redobrada não vá acontecer que dali só saia banha-da-cobra, mãos cheias de nada, ou, bem pior, o contágio de caganeira de vaidade que se nos pega, será coisa para nos reter pelas cagadeiras durante uns valentes dias.

Em suma e tanto quanto possível, conveniente será passar ao lado ou mesmo ignorar as procissões onde o rei vai nu, porque na maior parte dos casos tudo é teatral, encenado.

29.09.24

I am a portuguese citizen but I do not speak your language


a. almeida

A propósito da operação do repatriamento, ou lá o que isso queira dizer, de cidadãos portugueses no Líbano, na sequência dos conflito entre Israel e o Hezbollah, hoje na RTP, um jovem identificado como "cidadão português", no aeroporto, expressou-se (para os jornalistas portugueses), em inglês. Não saberia, certamente, falar na língua do país que o reconhece como seu cidadão. Conhecerá as cores da bandeira? Saberá, de cór, pelo menos o refrão do hino? Às armas!...

A normalidade, modas ou singularidades de um tempo em que uma nacionalidade dá-se, ou vende-se, pelo preço da uva chorona.

26.09.24

Outonal


a. almeida

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Lá fora, na plenitude dos campos abertos,
Anda solta a brisa do perfume das searas maduras
A ondular as ervas secas, rendidas à ceifa, à foice;
De grilos, ralos e cigarras já não há concertos
Num Outono como um velho alquebrado nas agruras,
Já que o tempo de viço, folguedos e juventude, foi-se.

Mas ainda há tempo para encher os regaços,
Fartar de ouro os celeiros e de uvas lagares,
Talvez a tempo de te colher em meus braços,
Na esperança, no alento, de ainda me amares.

25.09.24

É fartar, vilanagem!


a. almeida

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Longe vão os tempos em que por esta ou qualquer outra aldeia saía-se de casa para o campo, para o pinhal ou a qualquer outro destino das voltas do quotidiano e bastava encostar a porta, sem fechos nem trancas. É certo que pouco por ali ficava com valor que despertasse a cobiça dos amigos do alheio ou da curiosidade da vizinhança, mas havia respeito pelos proprietários e pelos bens dos outros, mas também, é verdade, medo do castigo pesado  por alguma tentação de furto, por mais ligeira que fosse.

Esses tempos, porém, como disse, vão longe e hoje em dia nem com trancas à porta, alarmes ou daqueles cães que nem o próprio rabo respeitam à fúria dos seus dentes. Rouba-se com a maior das naturalidades porque os artistas do gamanço, pela impunidade e pouca autoridade das forças ditas de segurança e ordem pública, pouco temem. O castigo, quando o há, é invariavelmente macio, quando muito com uma repreensão e umas horitas de trabalho comunitário que não se cumprem. Assim continua em alta a gatunagem e para se viver com relativa qualidade deixou de ser imperativo o trabalho sério e honesto. Não falta por aí malta a vender cabritos sem que tenha cabras para os parir.

Ainda ontem, e já perdi a contas da vezes em que tal ocorreu, a loja de conveniência do posto de abastecimento de combustível local, voltou a ser assaltada. Pela madrugada, um qualquer carro, certamente também ele furtado, foi arremessado contra as portas de vidro e do tempo que houve desde que disparou o alarme, levou-se tudo quanto se pode, até os croissants que haviam sobrado dia. Há uma fome de roubar mas também de comer.

Estas duas imagens com que ilustro o post, são assim significativas e emblemáticas do passado e do presente, do respeito e da falta dele, da autoridade e da falta dela. Mas o politicamente correcto não gosta destas comparações e prefere termos e conceitos bonitinhos e supostamente inclusivos e tem medo de chamar os bois pelos nomes e, mais do que isso, pegá-los pelos cornos. De resto a direcção dos estabelecimentos prisionais até tem  agarrado o da reinserção. Regra geral é chuva no molhado, perda de tempo e gastos extra para a nação, porque um bandido uma vez será sempre bandido. E não, não falo de roubar doces a uma criança, surripiar uma galinha na capoeira ou coisa que o valha, mas da estirpe dos meninos de coro que há semanas escaparam de Vale de Judeus como quem vai ali e já não vem.

Assim sendo, como já se apregoava na Idade Média quando se tomava pela força das armas um castelo, uma aldeia, vila ou cidade, é fartar vilanagem!

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25.09.24

Alma e emoção


a. almeida

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Caminho sozinho na plena imensidão,

Em silêncio íntimo, sem ruído ou vozes,

Todo dormente numa indiferença passiva;

Afinal, no fim de contas, conta a emoção

Como brisa soprada por ventos velozes

A enfunar as velas de um barco à deriva.

 

Tod´o homem sozinho nunca estará só

Se tiver de companhia a alma e emoção,

Mesmo que triturado como grão sob a mó

No destino sagrado de se dar e ser pão.

24.09.24

O ananás de cu para cima


a. almeida

Esforço-me por não ser de cenas fora do palco, evito embarcar em modas e modinhas, juntar-me a rebanhos só porque quase todos seguem cegos de entusiamo  o carneiro-mor.

O peso da idade, para além de várias coisas inconvenientes, deve servir para medir a largura e altura da porta para que por ela passemos em segurança, sem romper os cotovelos nas ombreiras nem dar umas cabeçadas na padieira. Bom senso e caldos de galinha nunca fizeram mal a alguém. No resto, não sou perfeito pelo que não me recomendo como modelo de virtudes.

Apesar disso, dá-me pena ver certos alinhamentos, gente que segue a carneirada sem escrutínio próprio, sem capacidade de auto-censura, expondo-se a ridículos, banalizando-se, alinhando facilmente em comboios como uma qualquer e simplória Maria a ir atrás das outras.

A propósito da cena de gente solitária e seguramente com défice de auto-estima, que em certo horário vai a uma certa superfície comercial (que não me paga para lhe publicitar o nome) comprar um ananás e com ele enfiado de cu para o ar no carrinho das compras, vai até ao corredor dos vinhos numa expectativa acriançada de encontrar um parceiro que perceba o sinal e que esteja livre e disposto a uma relação mais ou menos às cegas, mais ou menos fortuita ou inconsequente.

E quando pensamos que isto seria apenas uma brincadeira oca de alguém que tem peso nas redes sociais para lançar modas e tendências, para alcançar visualizações e ganhos de publicidade e notoriedade, dizem-me que a coisa pegou e tornou-se mesmo uma realidade, ou como agora se diz, viral, tal e qual uma gripe mas que em vez de tosse e ranho afecta apenas a mioleira.

Não sei nem quero saber que tempo durará a coisa, porque há paninhos, como as cuecas, que importa mudar, não ao fim de uma semana mas pelo menos sempre que se toma banho. Por razões óbvias.

Em resumo, mesmo sabendo que cada um é cada um, ou uma, e que todos têm a liberdade para fazerem o que melhor lhes der nas ganas, na telha, mas que considero deprimente, sim, e mostra muito do valor dos valores da nossa sociedade ocidental, em que a dignidade se mede pela capacidade de virar um ananás do avesso e de ir espreitar os tintos e os brancos, quiçá os rosés, como quem joga na lotaria da vida à espera que lhe calhe alguém na rifa.

As relações são cada vez mais virtuais e a prazo, meros balões de ar quente que facilmente perdem o gás e, divagando ao sabor dos caprichos do vento, quase sempre na certeza de que acabam por cair. Mas, ao contrário dos balões de papel que sobem com uma simples acendalha, as quedas nas relações humanas quase sempre acontecem com estrondo, se não suficientes para quebrar ossos, pelo menos para nos deixar atordoados.

Infelizmente, ou não, é neste sentido que a coisa marcha. De todo o modo e deste modo, prefiro andar de passo trocado, até porque tenho cá para mim que os outros é que avançam desacertados. 

Companhia, marcha!

23.09.24

O senhor Outono


a. almeida

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Tão rápido como chegou,  foi-se o Verão e de mansinho deu lugar ao senhor Outono, austero e experiente, habituado a colher o que a Primavera brotou e o Verão amadureceu.
Não tardou, pois, que o senhor Outono pusesse mãos à obra e num ápice convocou as gentes do campo para a azáfama das colheitas por campos e soutos, montes e vales. Espigas de milho doiradas e maduras já enchem os cestos e amontoam-se nas velhas eiras; Os pesados cachos de uvas maduras, pintadas a ouro ou a púrpura, já enchem lagares onde numa cobertor de mosto brotarão vinho.
É verdade que as desfolhadas, como se diz na minha aldeia, já não reúnem o povo numa roda viva de trabalho, contentamento e cantigas; Já não há xi-coração ao milho-rei e o serandeiro já não aparece discreto com o ramo de manjericão ou rosmaninho e as raparigas já não querem partir as unhas e as suas desfolhadas são outras.
No lagar já não há pernas despidas numa dança de ombros unidos ao som da sanfona ou da concertina. Certamente que num ou noutro local remoto deste nosso Portugal, para turista ver, mas no resto, as máquinas pouparam-nos o esforço mesmo que roubando-nos a alegria do colher e transformar com as mãos.
O senhor Outono já não é o que era e até ele já parece mais desconsolado, desanimado com a partida que os tempos lhe ttêm pregado. Já nem as suas roupagens de tons quentes nos consegue aquecer a alma ou extasiar o olhar.
Ficamos, pois, indolentes, à espera do senhor Inverno, que com mais frequência se atrasa, mas que há-de-chegar, mesmo que em repelões, frio e molhado, a remeter-nos já não à lareira e adormecer no embalo do morno das brasas ou ao ritmo de velhas histórias e antigas lendas, mas ao sofá, acolhedor, a matar o tempo, olhando a televisão até que o sono diga: - Boa noite!

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