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Diário de quem já não vai para novo

...e sem paciência para seguir o rebanho.

Diário de quem já não vai para novo

...e sem paciência para seguir o rebanho.

28.08.24

Crónicas breves de viagens curtas - 1


a. almeida

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A minha carteira não tem fundo tal que permita empreender jornadas de férias espampanantes, daquelas que a malta não perde a oportunidade para se enquadrar com panos de fundo mais ou menos típicos que ninguém desperdiça para marcar o ponto, seja com a férrea torre Eiffel, com os vetustos palácios de Buckingham, Real d'O Pardo, os antigos e clássicos Partenon ou Coliseu, mais exoticamente com as pirâmides de Gizé ou numa sintonia espiritual com as grandes catedrais góticas de Notre-Dame, Colónia, Sevilha ou a estapafúrdia criação de Gaudi na Sagrada Família. A lista desses lugares circundados por um turismo de massas é extensa, tanto na velha Europa como noutras latitudes, aquém e além mares.

Mas tivesse eu tal carteira e creio que mesmo assim, a pouco paciência que a idade nos retira para enfrentar um emaranhado de procedimentos burocráticos, movimentos aeroportuários, cargas e descargas, check-ins e ckeck-outs, seria mais que suficiente para refrear ânimos e amolecer vontades.

Posto isto, sempre assim foi e continuará a ser, cada um fará o que melhor lhe aprouver e mesmo que em rigor não possa, para isso é que existem créditos na Banca e de pouco importa fazer contas às contas porque o futuro é já amanhã. O senhorio que aguente os cavalos, as operadores podem esperar mais uns dias, o mecânico umas semanas e para a dentista, é mais dente menos dente. Férias à Lagardere é que não se dispensam.

Assim, de perna curta e carteira apertada, vamos saltando aqui e ali e em vez de uma Notre-Dame abeirámo-nos de um Mosteiro de Santo André de Ancede, em vez de gondolar pelos canais de Veneza moliçamos pelos de Aveiro, no lugar da conservadora Tower Bridge atravessamos a elegamte de Mosteirô e em vez de ouvir as horas pelo Big-Ben, o relógio da estação de Aregos também tem horas certas.

Mas uma saída, para não lhe chamar indevidamente viagem, mesmo que mais ao perto que ao largo, é sempre mais que as coisas que se veem, a gastronomia que nos vem ao prato e a maciez da cama onde se repousa. É mais, muito mais que isso, mas já quanto à sensibilidade para o Zé da Esquina ser capaz de ler essas entrelinhas, a coisa pia mais fino e até a espiritualidade de um fino fresco por fora e por dentro, ali a saciar na esplanada rodeada de Douto contido em margens altas de verde, é melhor nem falar porque pior cego é o que não quer ver.

Numa dessas entrelinhas, num excelente restaurante, com vista para uma boa nesga de Douro, com um bom ambiente onde não há televisão a passar Gouchas e trouxas, nem a música da Rádio Festival, a afável menina fez-nos sentir como se num chique restaurante de Paris, mas queixava-se, a prevenir, que o serviço poderia atrasar um pouco porque para além do chef, só mesmo ela para todo o resto do serviço e ainda um balcão de café. Como fomos dos primeiros, o serviço foi rápido e como era casa com licença certificada para a oferta de vitela arouquesa, a coisa correu bem, deliciosamente e com um custo justo e adequado. No final, a acompanhar a generosa gorjeta, a promessa de voltar num dia destes quando os bombeiros estiverem sossegados nos quarteis e as cores dos avisos meteorológicos andarem pintados de verde.

Mas então ia eu deixar de saber o porquê de apenas uma funcionária para tanto serviço e clientela bastante e requintada numa altura destas que a malta diz de época alta? Explicou-se que de facto por ali não conseguem arranjar alguém que queira trabalhar, mesmo a tempo inteiro, nem sequer brasileiros ou marroquinos porque esses, vá lá saber-se por que razões, gostam é do litoral. Além do mais, mesmo de três ou quatro colaboradores habituais, todos se escusaram a trabalhar nesta altura, recusando os encarecidos pedidos, mesmo que com a devida antecedência e remuneração compatíveis
Mas os dados estatísticos e o senhor INE dizem que o desemprego está a aumentar e que os jovens, coitados, não conseguem emprego.

O INE não quer saber as razões no terreno e apenas interpreta números e ignora que muitos dos que estão nas listas do desemprego, na realidade não querem trabalhar, muito menos em serviços que sabemos que têm horas muito específicas. Assim, vamos fazendo de conta que não há empresas a precisar de funcionários, seja nesta área da restauração e turismo seja a trolhas ou pedreiros. Na realidade, emprego talvez procurem mas não trabalho. Não trabalhar parece que é mais rendoso e quando o Governo diz que vai fazer com que ninguém no desemprego ganhe mais que empregado, aqui del-rei que é uma injustiça!

Ainda hoje, já de regresso, no parque de estacionamento de uma média superfície comercial cá da zona, um jovem casal, com cores de gente de outras latitudes, andava a abordar os clientes na pedinchice e usando uma bebé como isco. Ambos jovens, com bons corpos, qualquer um deles capaz de ser trolha, pedreiro ou servente de mesa ou ajudante de cozinha, mas nada. São bem mais rentáveis estes expedientes e ficamos sempre sem saber se estão por cá de forma legal e se orientados pelas autoridades e se fazem parte ou não das estatísticas que dizem que há desemprego.

Por mim, batam-me à porta e, intermediando, amanhã mesmo arranjarei trabalho para vários trolhas e pedreiros, bem como poderei dar o contacto do tal restaurante que não consegue gente para servir, fritar batatas ou limpar louça, tachos e panelas. Mas não digam nada ao INE, para não lhes baralhar as contas.

08.08.24

Partícula


a. almeida

Ascendi à serra, sereno e só,
buscando um encontro de intimidade,
naquela aspereza criadora
granítica, despojada,
para me sentir envolto
numa nudez primitiva
onde a cama é de erva
e o cobertor de estrelas e luar.

A serra, ampla, sincera, tem este dom:
o de nos submeter
à insignificância que somos,
mas como um grão de areia
que faz sentido e dá forma
ao areal na imensa praia.

O universo majestoso é, afinal,
uma massa densa de partículas
ínfimas mas plenas,
onde cada ser
tem lugar, espaço e sentido.

07.08.24

Vão dar banho ao cão


a. almeida

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A Cascata de Várzeas situa-se no rio Arado, no sítio de Fecha de Barjas, do lugar da Ermida, em Vilar da Veiga, maior freguesia do concelho de Terras de Bouro, em pleno Parque da Peneda-Gerês, sendo conhecida como cascata do Tahiti por ali, há uns bons anos, ter sido filmado um anúncio publicitária a um champô com o mesmo nome, em que uma beldade tomava um delicioso e refrescante banho sob a cascata.

De tão popular que é o local, querem agora ali construir mais um pingarelho artificial, tipo miradouro, provavelmente para os fotógrafos fazerem uns zooms sobre quem toma banho. 

A justificação dos responsáveis será a questão da segurança, já que têm sido muitos e graves os acidentes, ignorando as opiniões de quem percebe da poda, como o Rui Barbosa, montanhista e guia e profundo conhecedor do parque, que afirma que a questão de segurança não se prende com a observação da cascata mas ao nível do leito da ribeira e sobretudo na parte de cima, nos poços junto aos moinhos, por baixo da ponte. Já estive no local mas já por me parecer perigoso, não passei da ponte e do que por ali se via. Mas a maioria não resiste a arriscar-se até à cascata.

De resto, aqui há algum tempo, um proprietário esperto ali construiu um passadiço que facilitava o acesso ao sítio e que cobrava 1 euro por pessoa, com a vantagem de que de algum modo reduziu os probelmas de segurança no acesso, mas que foi removido pelas autoridades e vedado o local.

Em resumo, mesmo com várias pessoas e entidades contrárias a esse miradouro artificial, e com o assunto a ganhar destaque na imprensa, não custa a acreditar que a coisa irá mesmo ser concretizada. De resto é típico e na onda desmesurada de construção de passadiços, miradouros e baloiços que vai grassando um pouco por todo o lado, do norte ao sul e ilhas.

Especialistas que somos na atabalhoada transição do 8 para o 80, esta pretensão só surpreende quem ainda não sabe do que a casa gasta.

06.08.24

No reino do ilusório


a. almeida

Como já não sou rapaz a ir para novo, creio, sem certeza, que já o escrevi por aqui ou em qualquer outro lado, que frequentemente passo os olhos pelos "postais do dia" do Luís Osório e assinaria por baixo muitos deles, mas de outros tantos, nem por isso. De resto, nada demais, pois era só o que faltava que andássemos todos alinhados a marchar de passo certo como naquelas paradas de tropas em países miltares e militarizados.

Do que tenho lido do Luís Osório - LO -, e será só impressão minha, tem escrito muito de elogios e outros panegíricos a certas personalidades, essencialmente figuras mais ou menos públicas, incluindo malta do desporto e a alguns e a algumas que por estes dias andam por Paris, ainda sem grandes feitos, à espera dos saltos do  atleta mais português de Cuba, para uma medalha de ouro, mas seguramente ciosos dos seus papéis.

Ora o LO vê e acha virtude em tudo e mais alguma coisa, e até o fracasso, a derrota, o azar ou a falta de sorte, são motivo de bem dizer e de exaltação. Antes dizer bem que mal, até porque bem sabe que pelas redes sociais basta uma frase mais bicuda para se ter à perna a cachorrada dos bons costumes, com as matracas bem abertas e dentes afiados. Por conseguinte, mesmo que sem grandes motivos, uma ensaboadela a mais no lombo ou uma camada de graxa suplementar no sapato, não faz mal algum. E quem não gosta que lhe passem a mão pelo pelo?

Mas, em boa verdade, o Luís Osório sabe que é assim que a coisa funciona, que ganha clientela, porque isto de falar bem e escrever melhor sobre pessoas anónimas, a coisa não resulta porque ninguém as conhece. Logo exaltar os feitos de um pedreiro, de um trolha, de um funcionário que nos recolhe o lixo à porta, do coveiro, do mineiro ou o agricultor, o que nos planta e fornece batatas, cenouras e tomates, é coisa que não conta para o totobola do mediatismo, porque a plateia não sabe se há-de apostar numa vitória ou derrota de caras ou se, pelo sim, pelo não, usar uma dupla ou tripla.

Ora estes anónimos, tantos e bons portugueses, que ajudam este país a andar para a frente, a edificar casas e famílias, com esforço, dedicação, até mesmo com puro altruísmo e exercício cívico e de cidadania, esses não constam nos postais do dia dos osórios, não merecem elogios fáceis de um primeiro-ministro ou de outros governantes nem são recebidos ou medalhados em Belém. Esses não são fotogénicos nem acrescentam valor a quem lhes reconhece valor. Perda de tempo! O país precisa é de malta a correr, a saltar, mais rápido, mais alto, mais forte! Esses sim, é que são o sumo da nação! Vale mais um triplo salto mostrado pela televisão que os milhares de saltos, sobre barreiras e obstáculos que são necessários para o dia-a-dia do povo a levar o país para a frente.

Posto isto, este é um mundo cão, ou gato, onde uns, bem lustrados pela graxa social e institucional, comem e são presenteados com whiskas de primeira qualidade, servidas em gamelas prateadas ou mesmo douradas. Os demais, o grosso da cãozoada do canil, esses passam ao lado e são apenas a massa lubrificante que agiliza a engrenagem, o motor da nação. Mas quem é que quer sujar-se com lubrificantes?

01.08.24

Marraquexe, não me aquexe nem arrefexe


a. almeida

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A olhómetro, ocupará 1/12 avos da primeira página do JN, Jornal de Notícias, dizem que dos mais lidos por cá. Deve ser para contrapor às mortes nas ferrovias e às lutas nas ruas da Venezuela. Os moradores em Barcelos, que há 18 anos desesperam por obras estruturais, esses ficam-se por três curtas linhas na capa, mesmo que logo acima dos esvoaçantes cabelos da Catarina. É de se ficar pelos cabelos...

Mas é justo, porque de facto são destas notícias que o país precisa, e logo na capa, o saber que a sempre jovem Catarina não se furta a render-se aos encantos de Marraquexe e que mesmo de férias (também eu queria) demonstra elegância, seja lá o que isso queira dizer.

E pronto! Também eu dediquei não 1/12 avos à bela Catarina mas o post inteiro. Mas é de justiça pois não fora a importância destas coisas e como é que haveríamos de passar o tempo de forma saudável, elevar o nosso nível de cultura ou saber da vidinha das outras pessoas?

Pelo menos deu-me azo a criar as tags "merdices" e "pingarelhices".

Obrigado JN! Um dia destes, a visitar a minha tia, procurarei ir a Marrocos, e quem sabe se também me renderei aos seus encantos, quiçá aos de uma bonita e elegante marraquexeana.

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01.08.24

Paradoxo existencial


a. almeida

...E quem não sonha, acordado,
De olhos fixos, luzentes,
Ou quem não viaja, parado,
De pés cansados, dormentes?

Somos o que não somos, até,
Que sejamos o que quisermos:
Deitados, morrendo em pé,
Alevantados, no chão enfermos.