30.04.24
À distância de um fosso intransponível
...Porque o molde já foi quebrado
a. almeida
O sentimento não é inédito, porque já confessado por outros, mas também é meu. Quando vejo posturas, atitudes e comportamentos de muita da nossa juventude, infantilizada a extremos, mesmo que já para lá da maioridade, fico simultaneamente com receio e dúvidas de que seja capaz este tipo de gente de amanhã virem a ser pais e mães, governar empresas e o Estado, ou apenas entregues ao seus próprios destinos, sem depender sine die das hospedarias paternas. Mas será inevitável que assim seja, de um modo ou outro, porque a barca tem que continuar a navegar por mais calmas ou agitadas que sejam as águas.
Talvez esta minha dúvida e receio resultem do fosso que separa ambas as gerações e seguramente da dureza do molde com que ambas foram forjadas.
Quando vejo o meu filho, ou de outros, ainda com uma capa de infantilidade que não assenta à sua idade, que no meu tempo só era compreensível numa criança de oito anos, fico de facto com muitas reservas quanto ao que será o futuro com esta gente. Até será melhor, mas certamente já não andarei por cá para disso me espantar.
E neste torvelinho dou comingo a pensar que, tinha eu apenas oito anos e com um irmão mais velho apenas um ano e meio, e sozinhos ía-mos com uma parelha de bois enormes e cornudos a pastar para os pinhais e matas da redondeza. Mas é claro, dáva-mos conta do recado, até porque os bois eram obedientes e mansos, mas, porra, eram duas crianças a guiar aqueles montes de ossos e músculos. E, olhando agora para estes adolescentes e jovens, a não darem um passo sem a sombra protectora dos pais, imagino-os à frente de quatro cornos. Impensável.
Fiz dois anos interinhos de serviço militar na Marinha, ficando-me pelas lisboas, na Base Naval do Alfeite, a 350 km de casa, e nem uma única vez os meus pais ou gente da casa me acompanharam sequer que fosse à estação do combóio. Chegasse a ela de manhã, de tarde, à noite, tinha que me desenrascar e quantas vezes caminhei de madrugada, chovesse ou não, os 25 km da estação a casa. Nesse período, entre os 21 e 23 anos de idade, nunca recebi de meus pais 5 tostões para beber um pirolito ou para pagar o 1/4 de bilhete do combóio, quanto mais para me governar. Mais uma vez, tive que me desenrascar e fazer uso da economia que poupei do trabalho começado aos 12 anos numa fábrica.
Não sou, nem os da minha e anteriores gerações, super-homens, mas definitivamente fomos feitos de um molde que já se partiu. Agora só tristes imitações mesmo que copiadas como bem fazem os chineses.
Por tudo isto e mais alguma coisinha, não se espantem os mais jovens que a nossa visão (a dos mais velhos) sobre a actual sociedade e o descrédito nas instituições e de quem delas esteja à frente, seja um pouquinho pró pessimista e cinzenta. Não é por acaso. Há razões de fundo e distâncias que nunca poderão entender e da certeza de que estas novas gerações não sobreviveriam sozinhos numa ilha onde se vivesse como há 50 anos, sobretudo quanto ao estarem por sua conta e risco. É que nem pensar!