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Diário de quem já não vai para novo

...porque as palavras são a voz da alma.

Diário de quem já não vai para novo

...porque as palavras são a voz da alma.

30.03.24

Cá em casa a cheirar a pastelaria


a. almeida

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É sempre assim: Natal ou Páscoa, cá em casa cheira a pastelaria. Tudo feito como deve ser, a começar pelos ovos vindos da capoeira ao fundo do quintal. Bem sei que a patroa por vezes queixa-se que assim não tem tempo de ir arranjar o cabelo, artificializar as unhas e preparar a lingerie. - Deixa lá, querida, isso é para gente moderna, que já compra tudo feito. O prazer de comer e saborear as coisas que fazemos de forma ritual, quase sacramental, fica-lhes à porta. Do lado de fora! Não se pode ter tudo, pois não?

28.03.24

A paz, o pão, habitação, saúde e educação


a. almeida

A campaínha tocou. Pela hora adivinhava-se que seria o "cliente" do costume. Assomou à porta e confirmando-se, protestou:

- Você outra vez? Não sai daqui para fora!

- Já não passava há quase um mês! - desculpou-se do lado de fora o pedinte.

- Mas você está com bom aspecto! Não tem quem lhe arranje um emprego? - Perguntou o dono da casa para lhe medir a reacção.

- Não posso! Eu sou um homem doente! - replicou num tom lamurioso.

- Pois, olhe que não me parece, vejo-o sempre por aqui, com bom ar, a caminhar ligeiro a dar a volta à freguesia! Olhe que não é para gente doente!

- Mas dê-me lá uma moeda! - pediu, desinteressado do sermão.

- Vou dar, mas não apareça aqui antes da Páscoa! - deu-lhe uma moeda de dois euros, como se fora a juntar à moeda habitual o subsídio de Natal.

O receptor olhou para a moeda, acariciou-a, fez uma pausa e disse: - Olhe que já passo aqui há muito tempo e é a primeira vez que você me dá uma moeda de dois euros!

- Ai é? Pois para além de ter boa memória, está com sorte! Mas está a queixar-se ou falar de contente? - questionou. Ele, porém, encolheu os ombros e não lhe respondeu deixando-o sem saber, levando-o a replicar:

- Bem, olhe que não é mau! Se lhe derem dois euros em cada uma de cinquenta casas por aí acima, são 100 euros. Ganhará bem o dia! Mas vá lá à sua vida! - despediu-o para não alongar a conversa.

E lá foi o pedinte à sua vida, que não terá outra nem quererá. O dono da casa ficou a pensar naquela justificação do ser doente Considerou que fosse mesmo doente, o que de todo não lhe pareceu, certamente  que o nosso querido estado social o socorreria. Ou será que não? Afinal estamos em 2024 e ainda há disto, pedintes, tal qual como no tempo da velha senhora. E já lá vão 50 anos sobre a mudança de direcção. Só que os do antigamente, parecia-lhe, esses pelo menos soltavam uma reza, recebiam o que calhasse e agradeciam encarecidamente pelas alminhas. Os pedintes modernos, esses não pedem, exigem e resmungam se a moeda é pequena, e mesmo se o que recebem nos bancos sociais de roupas não lhes agradar vai logo para o ecoponto.

Nesta dúvida, ficou o dono da casa, e ficamos nós, sempre com muitas reservas sobre quem ainda anda de porta em porta, a pedir com verdadeiras necessidades ou sem elas. E são muitos, desde bombeiros, a supostas associações de não sei das quantas, para além dos peditórios para as diferentes situações no âmbito da freguesia e paróquia, seja para esta ou aquela festa, para a igreja, para os presuntos, para os pobres, para os ucranianos, para os africanos, para isto, para aquilo. É certo que é bem melhor poder dar do que precisar de pedir, mas para quem tem que trabalhar para poder pagar as suas contas e responsabilidades, sem chorudas pensões ou rendimentos que não sejam os do trabalho, mesmo o pouco que se dá tem peso perante tantas solicitações. 

Mesmo nestas dificuldades, porventura dar dois euros a um cliente recorrente, mesmo considerando que será apenas por vício, terá algum significado e mesmo valor, para quem dá e para quem recebe? Afinal, serão poucas as casas que darão dois euros a quem com insistência lhes toca à campainha. Porventura, quase sempre, quando alguém bate à porta de quem realmente poderia dar, não 2 mas 5 ou mesmo 10 euros, sai despedido sem nada nas mãos e a única coisa que pode almejar levar é o sermão. Esse dá-se ao desbarato.

Não está fácil, pois não, tanto para quem pede como para quem dá! E daqui a dias celebra-se meio centenário sobre a mudança do que seria o paraíso.

Pode ainda haver pobres, pobreza e miséria, disfarçada, envergonhada ou não, mas a barriguinha essa está cheia de democracia e liberdade. Pena que não matem a fome.

Como cantava o Sérgio Godinho há uma catrefada de anos, ainda faz sentido  "A paz, o pão, habitação, saúde e educação" como premissas de liberdade a sério.

27.03.24

Fuga para a frente


a. almeida

Sobre o recente, terrível e trágico atentado terrorista em Moscovo, já todos percebemos que o regime de Putin e ele próprio pretendem obter o máximo de sumo no assacar de todas as responsabilidades à Ucrânia, dê para onde der. Não há volta a dar e com ou sem evidências, a favor ou ao contrário, toda a narrativa e acções consequentes estão e continuarão nesse sentido.

Neste contexto, não se espere no Kremlin assomos de coerência. Para Putin e seus correligionários, uma pedra será um pau se nisso houver interesse. É bater na madeira, mas se por estes dias houver um terramoto mortal na Rússia, ou qualquer outra tragédia em que as forças da natureza se mostrem, incluindo a queda de um asteróide, Putin  e os seus apontarão os dedos e os mísseis a Kiev, como responsável.

A guerra é suja em todos os seus aspectos e a História ensinou-nos que dela e dos seus mentores não se podem esperar comportamentos compagináveis com a realidade e com os valores que ainda classificam o homem como um ser racional. Face a isto, tudo é possível porque no desespero de um animal tresloucado ou ferido, a fuga é sempre para a frente.

 

26.03.24

Quem não quer ser lobo...


a. almeida

Lá está o Sérgio Conceição metido em nova polémica e no contexto de assistente de um jogo de criançada, em Espanha. A história já foi mais que contada na comunicação social. Há várias versões, como convém, e daí que seja, para já, difícil provar quem mente ou quem falta à verdade. Factual, porque com imagens, o Sérgio ter entrado dentro do campo e pedir satisfações ao árbitro, e certamente que não para o cumprimentar e lhe dar um abraço.

Depois disso é o costume e o corriqueiro a que nos habituou. Conceição pode de facto não ter sido insultuoso, nem agredido nem tentado, mas tem contra si um farto historial de fúrias e procedimentos que em nada abonam a seu favor. É, pois, tudo menos um bom exemplo de comportamento de cordialidade durante e sobretudo no final dos jogos.

Posto isto, e porque de facto o assunto não merece mais que uma breve nota, mesmo que de lamentar, porque é uma figura pública que deveria pela sua profissão ser exemplar no bom sentido, aplica-se aqui a velha máxima de que "quem não quer ser lobo não lhe veste a pele".

25.03.24

Saber viver sem nada fazer


a. almeida

Não tenho inveja de quem vive bem à custa do seu talento, da capacidade de trabalho e seu suor. Já o contrário, dos outros é que não. E não faltam destes a viver à fartazana, rodeados, eles e os seus, de tudo, do bom e melhor. Ele é boas casas, de boas vistas, com amplas garagens, potentes carros, motas, bicicletas, relógios de ouro, piscinas, churrasqueiras, ginásios, etc, etc. Sempre bem vestidos e calçados, perfumados, unhas e cabelos nos trinques, férias a toda a hora, mesmo passando fronteiras, etc, etc. Alguns até se permitem a viver à grande e à francesa em suites de hotéis de luxo, não de férias, uma vez por outra, mas como residência. Outros até têm motoristas que acumulam a leal função de entregas de envelopes atestados de notas vindas dos cofres generosos de mãezinahs ricas e amigos empresários de sucesso. Vidinhas fartas, é o que é.

Ensinado pela vida de que só com o trabalho se pode aspirar a uma vida condigna, mesmo que sem luxos, e certo de que lotarias, totolotos e euromilhões são sortes tão prováveis acontecer como a uma hora certa cair um meteorito pelo buraco da nossa chaminé, sempre desconfio de quem vende cabritos sem ter cabras, mesmo que não um rebanho, pelo menos as suficientes para alimentarem um pastor e família.

Mas isto sou eu, com a mania de que na vida as coisas devem ser justificadas e merecidas e devem obedecer ás leis da física, da matemática e da biologia, ou, mais prosaicamente com o parecer a encaixar no ser. Mas, estou certo, ando de passo desacertado, porque isso é esperar ciência complexa quando a alguns basta fazer as contas básicas de contar pelos dedos para perceberem que juntar o que ao próximo se subtrai é somar para si. Afinal, o que vai dando é o viver à custa dos outros, com estratagemas, chico-espertices, burlar tanto o vizinho como o Estado, desenvolver uma teia de negócios escuros e obscuros e com trabalhos invisíveis ou nocturnos sem que sejam padeiros ou agraciados com milagres divinos.

Eles andam por aí, tantas vezes disfarçados de empreendedores, de empresários, de políticos, etc. Em suma, gente esperta e qualificada para viver sem nada fazer. É uma classe em crescimento, reconheça-se. 

24.03.24

Luz e escuridão


a. almeida

Entre ramos de oliveira,
De verdes palmas juncado,
Envolto pela multidão,
Entra em Jerusalém, Jesus.

E dessa euforia primeira,
Em louvores aclamado,
Foi dado na condenação
À dor e morte na Cruz.

Que dias estes, meu Senhor,
Fundo e denso turbilhão,
Em que da luz do esplendor
Te condenaram à escuridão.

23.03.24

Cristina, a popularidade é fundamental


a. almeida

Pobre que sou, não viajo, pelo que não sei se noutros países isto também acontece, mas em Portugal é certinho e direitinho: Se uma figura pública entrar num restaurante com a sua comitiva, o mais certo é que seja principescamente recebido, bem tratado, com recomendações à cozinha e pessoal de mesa, e no final do repasto o dono nada lhe cobre a troco de uma sorridente selfie conjunta que depois exibirá orgulhosamente num local visível do seu estabelecimento, para que todos comprovem que o sítio é top, bem frequentado.

Em resumo, alguém que por princípio poderia comer e beber bem e pagar melhor, provavelmente comerá à borla pela "generosidade" do dono do tasco. Por oposto, um qualquer Zé Ninguém, de aspecto duvidoso e mal trajado, mesmo que não impedido de entrar, até por receio de represálias, terá que ir para um canto, comer rápido e pagar por inteiro até o pão ou entradas em que não tocou.

Este tipo de situações, paradoxais, são comuns e conduzem a um ciclo em que os mais ricos, mais importantes e famosos, levam sempre a melhor e são beneficiados. Ou seja, quem tem reconhecimento público é mais reconhecido e agraciado. E isto acontece em muitas áreas de extractos da sociedade no nosso Portugal. O recurso à cunha, à influência e ao empurrão de um amigo no acesso a bens e serviços, mesmo que roubando a vez, o lugar e o mérito a outros, está-nos no sangue.

Outro exemplo, um qualquer desconhecido com pretensões a escritor, mesmo que com grande qualidade, tem um longo, penoso e custoso percurso até se tornar notado nas editoras e circuitos comerciais e depois almejar a viver da escrita. Não reúno, de todo, atributos para ser escritor, mas já tive livros aprovados por editoras, até com certo renome, mas com condições de contrato em que todas as despesas e riscos são na realidade por conta do autor, porque desconhecido e sem garantia de retorno. Pelo contrário, outro, conhecido, com títulos que se vendem como pãezinhos quentes, tem todas as portas escancaradas e é disputado por editoras e orgãos da comunicação social. Está e aparece em todas!

Um pouco ou mesmo muito neste contexto, trago à luz do dia uma memória com pouco mais de um ano (creio que por princípios de Janeiro do ano transacto) sobre a artista Midus, compositora, baixista e vocalista, que na altura, e creio que actualmente, trabalhava em Londres, mas que se tornou conhecida a partir da década de 1980 quando fazia parte da banda Roquivárius, com temas que se tornaram populares como "Ela controla" ou "Cristina, beleza é fundamental". Como dizia, por essa ocasião esteve em tudo quanto era rádio, televisão, jornais e revistas, promovendo o seu último trabalho, o álbum "Minhas Canções, Meus Amigos". Só na rádio ouvi-a a dar entrevistas em pelo menos 3 estações, também num jornal de âmbito nacional mas igualmente em plataformas digitais. Não vejo esse tipo de programas de entreter salas de esperas,  mas presumo que tenha também passado pelos Gouchas ou similares.

Ora isto aconteceu não apenas com a Midus, de resto uma excelente artista e que aprecio, mas com muitos e muitas outras Midus, tanto na música, como no desporto, entretenimento, politica, etc, etc. Mesmo por agora, vejo que certos artistas, sobretudo do panorama musical pimba, como Quim Barreiros, Zé Amaro, José Malhoa, Augusto Canário e tantos outros, mais ou menos do estilo, estão recorrentemente (demasiadas para o meu gosto) no programa da televisão pública, "Praça da Alegria" ali a promoverem espectáculos e discos, quase parecendo que são artistas residentes. Pergunto-me se essa publicidade em directo e a cores é paga por essa gente ou se pelo contrário, como me parece, são ainda pagos para ali se promoverem? Quem souber que responda. Fei em músicos mas também nomes de outras área do espectáculo e entretenimento. A RTP é uma teta generosa (com o dinheiro dos contribuintes).

Em suma, nada é fácil para quem é desconhecido. Para os outros, para quem já tem estatuto, é figura pública, tudo é caminho plano e aberto. E surpreendem-se alguns quando os indicadores dizem que cada vez mais os ricos são mais ricos e os pobres mais pobres. Tudo anda anda ligado a esta cultura diferenciadora em que o sermos iguais, com os mesmos direitos e oportunidades é apenas uma treta escarrapachada numa qualquer constituição ou livro de regras politicamente correctas. A prática diz-nos que a coisa é bem mais dura e selectora.

É o que é! Por isso, para a Cristina e muitos outros, a beleza, mas sobretudo a popularidade, é mesmo fundamental.

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